
"Procuro com a mão o despertador que está a tocar há mais de meio minuto. Encontro-o entre um livro e o copo de água que me colocam todas as noites sobre a mesinha-de-cabeceira. Carrego num botão e o silêncio volta a entrar no meu quarto. Sei que já não posso readormecer. O meu despertador toca invariavelmente às oito de manhã, todos os dias, faça sol ou faça chuva.
É uma das invariáveis da minha vida, tão invariável como o amor da Fernanda, como os jantares de família nos dias santos, como o som do piano da vizinha aos domingos.
Não há nada a fazer. Atiro com a roupa ao chão e procuro, com o pé, o chinelo que deve estar algures ao lado da cama.
Lá fora a cidade começa a ser atacada pela luz, uma luz que não perdoa nada, nem a racha duma parede, nem uma rua mal varrida, nem as rugas nas caras das mulheres. As próprias sombras são atacadas mal saem das coisas e desfazem-se antes de chegar ao chão. Dentro duma hora as últimas sombras da cidade já estarão refugiadas debaixo das árvores da avenida e atrás dos muros mais espessos dos bairros populares.
Começo o dia na casa de banho, em frente do espelho, fazendo a barba com uma gillete nova que me deu a inevitável Fernanda.
Entorto a cara para a direita e para esquerda em frente do espelho e observo, mais uma vez, que sou feio. Não há qualquer razão para que a Fernanda continue a gostar de mim. Por mais que tente não consigo compreendê-la.
Já está! Já me cortei!
Abro a gaveta e procuro, em vão, uma pedra-alúmen que comprei há anos, quando ainda era solteiro. Desapareceu.
Não tenho outro remédio senão limpar o sangue à toalha.
A minha toalha é azul e tem o meu nome bordado. A toalha da Fernanda é cor-de-rosa e tem o nome dela bordado. Pego na toalha e procuro o meu nome. Só agora reparo que a toalha é diferente. É nova, o azul ainda não desbotou. A um canto, em lugar do meu nome, encontro a palavra "dele" bordada a branco. Pego na toalha cor-de-rosa, também nova, que está ao lado da minha. A um canto, também bordada a branco, está a palavra "dela".
Já nem sequer tenho nome! Agora sou "ele", a parte masculina duma quimérica unidade que passa por ser um casal feliz...
Atiro com as duas toalhas para o chão e começo a limpar a cara, sem me esquecer de tirar o sabão que está atrás das orelhas.
Pensando melhor, as toalhas não têm culpa do que se passa. Atirá- las para o chão é infantil. Abaixo-me para as apanhar. Estão na posicão em que caíram, muito juntas, envolvidas uma na outra, como se tivessesm casado na véspera.
É uma das invariáveis da minha vida, tão invariável como o amor da Fernanda, como os jantares de família nos dias santos, como o som do piano da vizinha aos domingos.
Não há nada a fazer. Atiro com a roupa ao chão e procuro, com o pé, o chinelo que deve estar algures ao lado da cama.
Lá fora a cidade começa a ser atacada pela luz, uma luz que não perdoa nada, nem a racha duma parede, nem uma rua mal varrida, nem as rugas nas caras das mulheres. As próprias sombras são atacadas mal saem das coisas e desfazem-se antes de chegar ao chão. Dentro duma hora as últimas sombras da cidade já estarão refugiadas debaixo das árvores da avenida e atrás dos muros mais espessos dos bairros populares.
Começo o dia na casa de banho, em frente do espelho, fazendo a barba com uma gillete nova que me deu a inevitável Fernanda.
Entorto a cara para a direita e para esquerda em frente do espelho e observo, mais uma vez, que sou feio. Não há qualquer razão para que a Fernanda continue a gostar de mim. Por mais que tente não consigo compreendê-la.
Já está! Já me cortei!
Abro a gaveta e procuro, em vão, uma pedra-alúmen que comprei há anos, quando ainda era solteiro. Desapareceu.
Não tenho outro remédio senão limpar o sangue à toalha.
A minha toalha é azul e tem o meu nome bordado. A toalha da Fernanda é cor-de-rosa e tem o nome dela bordado. Pego na toalha e procuro o meu nome. Só agora reparo que a toalha é diferente. É nova, o azul ainda não desbotou. A um canto, em lugar do meu nome, encontro a palavra "dele" bordada a branco. Pego na toalha cor-de-rosa, também nova, que está ao lado da minha. A um canto, também bordada a branco, está a palavra "dela".
Já nem sequer tenho nome! Agora sou "ele", a parte masculina duma quimérica unidade que passa por ser um casal feliz...
Atiro com as duas toalhas para o chão e começo a limpar a cara, sem me esquecer de tirar o sabão que está atrás das orelhas.
Pensando melhor, as toalhas não têm culpa do que se passa. Atirá- las para o chão é infantil. Abaixo-me para as apanhar. Estão na posicão em que caíram, muito juntas, envolvidas uma na outra, como se tivessesm casado na véspera.
[...]
Não foram os cães que inventaram os açaimes. Não foram os leões que inventaram os jardins zoológicos. Teriam sido os homens os inventores das leis que os prendem e amarram? As leis foram feitas pelos homens para seu uso próprio. Se lhes não servem, arranjam-se outras que lhes sirvam."
Há mais de Sttau Monteiro do que Aqui há Luar...
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